Os 4 deuses e a criação do mundo

"No início nada havia. Energias transitavam como serpentes coloridas nadando em um tanque de água sem fim. Uma energia alaranjada que descobriu primeiro que era capaz de iluminar o ambiente. O que era escuridão e frio, ganhou acalento e novas cores. Fagulhas maravilhosas saiam dessa criação e pela primeira vez, as energias acreditaram em Vida. Outras três energias se aproximaram da alaranjada e pareciam sorrir, embora não houvesse expressão nelas, existia um brilho incomum.
 
Subitamente, uma energia marrom, deu corpo ao que chamou de irmãos. Cada cor, ganhou um corpo parecido com o dos humanos atuais, porém eram belos e puros, salvo de qualquer defeito proveniente do pecado.
 
Os humanos passaram a chamar essas energias de deuses, e deram nomes a eles: Água, Ar, Fogo e Terra. E o lugar onde passaram a morar, se chamou de “Infinito do Nada”, onde as fagulhas viraram estrelas cantantes e a paz era quebrada apenas pelo sorriso e brincadeiras destes seres poderosos."
- Sacratu para leigos, biblioteca de Eixeh -

 

 

O frio predominava o ‘Infinito do Nada’ e os deuses aninhavam-se ao redor do deus Fogo para ganhar um pouco mais de calor.
 
Cada novo dia era parecido com o que se passou, e os deuses, assim como os humanos, possuíam sentimentos de desconforto, comodismo e resignação. Havia a necessidade de evoluir, de renascer. E para isso, precisavam morrer.
 
Quem tudo começou, foi a deusa Água. Usando de seu grande poder de persuasão, instigou deusa Terra a medir forças com o mais poderoso dos quatro e assim aconteceu.
 
Não se sabe quando, pois até aquele instante não havia contagem do tempo, que era por sua vez inesgotável e incontável, mas determinado momento, enchendo-se de coragem e de desejos persuasivos aplicados por Água, que Terra atacou Fogo.
 
Ar que nada sabia o que estava acontecendo, viu sua irmã arremessar um objeto esférico e sólido, com grande velocidade ao irmão que dava acalento a todos. O deus brincalhão tentou parar, mas era tarde demais, seu poder apenas conseguiu diminuir a velocidade do objeto que acertou em cheio as costas de Fogo. O objeto virou cinzas e novas estrelas povoaram o “Infinito do Nada”.
 
Imediatamente as duas deusas passaram a se contorcer e sentir dor, uma dor sem explicação e tão repentina quanto o ataque de Terra ao irmão. Era a punição de quem os criou no início das eras. Terra passou a flutuar e uma voz surgiu, uma voz tão onipotente que ela só, poderia esmagar cada deus com apenas uma palavra. Essa voz então se acalmou, e suavemente, porém com respeito falou:
 
- Causadora da morte de teu irmão, o pior castigo é para ti, e será plataforma para os pés dos teus sucessores.
 
 
Terra foi arremessado no vazio que se encontrava ao lado do Infinito do Nada, e foi transformado numa grande esfera. A esfera tinha uma cor de barro, e era o que parecia de verdade, uma grande esfera de barro que flutuava no meio do escuro vazio. Esse foi o início do planeta, que logo seria habitado por novos filhos de quem criou os quatro deuses. Então Água foi agarrada e teve a vez de ouvir.
 
- Tramou a morte de um irmão, viverá junto com o causador e saciará a sede dos sucessores.
 
E Água foi arremessada na grande esfera e cobriu de azul o lugar, um azul tão bonito como a cor dos olhos da própria deusa, e tão maleável quanto suas criações. Deu-se os oceanos, mares, rios e lagos. Então Ar foi agarrado.
 
- Está livre para viver sempre aqui no Infinito do Nada. – A voz percebeu que os sentimentos do deus entristeceram-se e deu uma risada – Te deixarei viver no planeta criado para seus sucessores, mas vos darei total liberdade para se movimentar por onde bem entenderes, mas nunca sairá de perto de seus irmãos, estará preso a eles para sempre.
 
Ar, que parecia então sorrir, foi arremessado na esfera e com ele, veio o oxigênio que era preciso e querido aos sucessores. Ar estava praticamente livre, poderia andar pela esfera e encontrar-se sempre com Terra e Água como bem entendesse.
Então Fogo foi agarrado e a voz agora, falou em compaixão:
 
- Não deverá morrer. Dar-lhe-ei vida ao meu lado.
 
Então a morte de fogo foi tirada, e arremessada na esfera denominada a seguir, planeta, para segurar os outros irmãos, essa morte foi chamada de Atmosfera. Fogo ganhou um novo sopro de vida, e quase sem forças, mas com muita emoção, falou que ainda amava seus irmãos e que queria ficar perto deles, pois eles precisavam de sua luz.
 
Então a voz falou:
 
- Ficará então presente tanto aqui, onde nasceu e se criou, quanto no planeta em que vivem seus irmãos, pois sei que os ama, mesmo apesar do pecado que cometeram. Brilhará então no céu, e dará esperança aos sucessores. Também não estará só, lhe darei uma companheira, e hora estarão afastados, iluminando o planeta, mas ao se vestirem na noite poderão se tocar quando quiserem.
 
Fogo foi arremessado no vazio e virou um corpo celeste, que logo os humanos chamaram de sol, que iluminou então o planeta. Outro corpo celeste também foi criado, e o planeta ganhou dois sóis. Esses sóis tinham uma forma como a metade de um coração. Quando eles estavam assim, os sucessores chamaram de dia, e quando Fogo se vestia para encontrar quem lhe foi prometida, os sucessores chamaram de noite. E nesse tempo, o nome sol virou lua, em homenagem ao nome de sua amada, e quando estavam juntos, se completavam, e formavam assim, um belo coração no céu, que recebiam ajuda das cinzas de Fogo, agora as estrelas, a iluminar o céu.
 
O organizador de tudo isso foi chamado de “Criador” pelos elfos e anões, e “Deus” pelos humanos, fazendo uma analogia aos primeiros deuses: Água, Ar, Fogo e Terra.
 

 

Deus ar

O primeiro que veio até mim foi o deus Ar. Digo “O”, pois possuía uma aparência claramente masculina, porém, custou-me a perceber isso. Em meus sonhos o vi voando de um lado a outro pelo Infinito do Nada. Cada vez que passava perto de mim, eu enxergava um vulto embaçado, branco como os orvalhos da manhã. Percebi que era inquieto e brincalhão, pois a cada nova volta que dava em torno de mim, risadas explodiam no rastro que deixava.
 
E mesmo quando ele me encarou, não o vi ficar quieto. Seu corpo tremia harmonicamente e sem forma. Não pude ver medo, nem cansaço, mas parecia que ele estava louco para voltar a voar pelo infinito do nada.
 
Foi então que sorriu para mim, um sorriso de garoto sapeca, sua boca era larga demais para o rosto esbranquiçado. Não havia pupila nos olhos, apenas uma órbita branca e vazia. Seus longos cabelos cobriam o corpo informe.
 
Quando o perguntei se todos os deuses eram iguais, ele inclinou seu rosto trêmulo e o sorriso desapareceu.
 
“Querido humano, por qual motivo gasta sua única pergunta comigo em uma crítica de tantos outros? Minha natureza é inquieta, não pude aceitar o presente do deus Terra e por isso, meu corpo está longe de ser parecido com os demais.”
 
Novamente ouvi as risadas, ele voou e eu acordei.
 
Estava arrependido da pergunta que fiz. Gastei meu único momento com o deus Ar em algo que não trouxe acréscimo ao meu espírito. Se eu estava ali, era porque fui merecedor, mas me portei futilmente, perdi meu tempo afogado nas críticas de alguém diferente de mim. No decorrer da vida, pude perceber que as pessoas são mais que uma simples casca, o interior, este sim, imutável e bruto é o que se tem de maior valor.
 
------- Trecho de "Sonhos ao Vento", Crônicas de Bach Menestrl -------

 

 

Deusa Água

Nenhuma deusa é tão controversa quanto a deusa Água. Enquanto seu corpo mais parecia uma rosa em seu auge, sua personalidade demonstrava-se espinhosa como o caule da flor.

 
Pelo menos era isso que eu tinha em mente.
 
Ela veio caminhando até mim graciosamente e seu olhar penetrava minha alma, fazia evaporar meu sangue. Foi a primeira vez que me vi apaixonado, e não havia como ser de outra forma. Seus braços envolveram meu pescoço e de perto pude ver as duas cores de seus olhos, verdes e azuis, assim como os mares que banham os pés e aliviam a sede das criaturas em Senna.
 
Seus cabelos negros como o mais profundo dos oceanos, cascateavam pelos ombros,esses cobertos por um manto branco. Ela tinha o doce cheiro do mar, e me senti como um pescador, pronto para desbravar mares nunca antes navegados.
 
Ela sorriu discretamente e sua risada tinha sons de ondas ao encontro das rochas. Não precisei fazer minha pergunta, ela lia meus pensamentos como um livro aberto.
 
“Eu sou a criação de tudo. Dei vida aos humanos e todas as raças de Senna. Traí meus irmãos em nome de vocês. Alivio a sede e dou alimento. Porém, sou tratada com desprezo, odiada pela traição causada ao meu irmão fogo, que é venerado por vocês, e que some, a cada nova noite.”
 
Dito isso, sussurrou em meu ouvido para que acordasse.
 
Levantei com o pensamento de ingratidão humana. Nesse tempo, eu era um dos que visitavam o templo do deus Fogo, pedindo para cada novo amanhecer. Esqueci de que estava respirando, única e exclusivamente por causa da deusa Água, mãe de toda a Vida.
 
Uma pena só eu ter ouvido as palavras da deusa, e poucos nos dias atuais, acreditam em minhas visões que aqui vos escrevo. Ainda hoje, a deusa Água é esquecida pela raça humana.
 
 
------- Trecho de "Doce Cheiro de Mar", Crônicas de Bach Menestrl -------
 

 

Deus Fogo

Dos quatro deuses, claramente se mostrou o mais poderoso. Seus dedos inquietos soltavam fagulhas coloridas que enfeitavam os céus em forma de estrelas.
 
No rosto havia uma confiança que nunca vi em homem algum, e sorria para mim de forma que me fazia sentir um ser igual a ele, nem inferior ou superior.
“Gosto das sombras”. Falou. “Elas me fazem ver como as obras que crio possuem certa utilidade”.
 
Ele iluminou seu corpo em chamas multicoloridas e pude perceber que era moreno, talvez pela constante exposição às suas criações. Lembrava um guerreiro vigoroso, que combinavam com os traços fortes do rosto. Se fosse um homem, sua beleza com certeza colocaria muitas mulheres aos seus pés. Seus cabelos curtos lembravam chamas de fogueiras que nunca se apagavam.
 
Ele colocou em mim seus olhos incandescentes e eu soube que era hora de fazer meu questionamento.
 
“Qual a razão de nossa existência em Senna?”. Perguntei.
 
“Simples e direto como todo jovem”. Ele sorriu como se já soubesse da pergunta. “Todo ser humano é um adubo para o solo da Árvore da Vida”. Ele voou rapidamente até mim, e colocou seu dedo indicador em minha boca. Sabia que eu estava próximo de fazer uma pergunta.
 
“Uma pergunta! Somente ela.Estou impossibilitado de responder mais que isso. Mas não diga que a árvore da Vida teve seu fim. Apenas acredite nela, como acredita em você. A raça humana é o adubo para ela e os frutos são suas ações. Não há punição se você agir de forma bondosa ou maldosa, mas conseqüências. Se você for bom, aproveitará do fruto mais doce da árvore. Se for mal, só provará um sabor amargo.”
 
“Não tive minha resposta”. Falei contrariado, era jovem e impulsivo quando me encontrei com deus Fogo.
 
“Eu digo que a teve”. E como os três outros deuses, ele me deixou com um sussurro.
 
Quando acordei, meu coração batia no peito, irritado, constrangido, sentindo-se enganado. Hoje ele bate calmo, alimentado pela sabedoria acumulada ao longo dos anos. Minha mente se encontra livre e sim, ele havia realmente me respondido.
 
------- Trecho de "Despertar nas Chamas", Crônicas de Bach Menestrl -------
 

 

Deusa Terra

Quando a vi pela primeira vez, lembrei dos ensinamentos do deus Ar. Tinha uma beleza diferente, exótica. Seu semblante era dúbio, hora delicado como uma mulher e hora forte como de um guerreiro. No decorrer de sua pele, que tinha a cor do crepúsculo, enxerguei rachaduras, lembrava bastante um solo árido. Tinha um corpo que não devia em nada para o deus Fogo.
 
“Assustado?”. Ela me perguntou isso com um sorriso nos lábios. Como se soubesse que não tinha a bela forma da deusa Água.
 
Respondi que não, claro. Deus Ar havia me ensinado algo, e eu não esperava repetir esse erro novamente. E acho que ela gostou de minha resposta, o que me fez ver que os deuses possuíam vaidades, tais quais os homens.
 
“Sou a última que verá e não terei nada a ensinar”.
 
“Só tenho a agradecer pelo tempo seu e dos seus irmãos”. Fiquei feliz com essa afirmação, era verdadeira e muito oportuna.
 
A deusa Terra veio caminhando no vazio até mim, e colocou seu rosto próximo ao meu. Pude ver seus olhos castanhos fortes, que demonstravam seriedade e compaixão ao mesmo tempo. Os cabelos eram grossos, embolados. Pude finalmente notar, através do seu olhar, a sua personalidade inocente.
 
“Amamos vocês, pequeninos”.
 
E assim ela me deixou, acordei. Realmente não me ensinou coisa alguma, mas me deixou algo mais importante: O amor dos deuses.
 
 
------- Trecho de "Duros Sentimentos", Crônicas de Bach Menestrl -------

 

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Guilherme Macias Bogéa

maciasbogea@gmail.com

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AMEI o livro, incrível. Tudo na medida certa!!! Parabéns pela escrita!

Realmente me surpreendeu!

Wanessa Guimarães (RJ). Atriz e escritora. Estante Seletiva.

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